sexta-feira, 23 de abril de 2010

BIOGRAFIAS DE Lênin , Trotsky e Stalin

No início de cada biografia tem o endereço no You tube para dar uma olhada nas imagens destes personagens da história : visite

http://www.youtube.com/watch?v=sLt5-_vM2ls&feature=PlayList&p=933A4564B068B92A&playnext_from=PL&playnext=1&index=1

LÊNIN ( VLADIMIR OLLITCH ULIANOV )

22/4/1870, Simbirsk, hoje Ulianov, Rússia

21/1/1924, Gorki, perto de Moscou, Rússia.

Da Página 3 Pedagogia e Comunicação

Lênin era filho de Ilia Ulianov, um alto funcionário do governo russo, quase um membro da nobreza. Sua origem familiar, tanto pelo lado paterno quanto materno, foi sempre um grande embaraço aos biógrafos da Rússia pós-Revolução Soviética, pois além da posição social, o fundador da União Soviética tinha ascendência de mongóis e judeus.


Durante a adolescência, orgulhava-se das suas origens nobres, segundo o historiador Orlando Figes, da Universidade de Cambridge, um dos maiores estudiosos da história da Rússia. Somente com a execução do irmão Alexandre - envolvido em um grupo terrorista que tentou assassinar o czar - foi despertada a ira de Vladimir Ulianov contra o regime autocrático em seu país.


Sua atividade revolucionária teve início na década de 1890, quando formou um grupo marxista em São Petersburgo (depois Petrogrado), no qual conheceu Nadejda Krupskaya, que viria a se tornar sua esposa. A tarefa que Lênin tomou para si, inicialmente, foi adaptar a teoria marxista do século 19 à realidade russa do século 20 e provar que - ao contrário das teses de Marx - uma revolução comunista era possível também num país como a Rússia, onde o capitalismo mal dava seus primeiros passos.


Além disso, propôs a tese do "centralismo democrático", segundo a qual os marxistas podem discutir livremente entre si antes de agir, mas, na hora da ação, sua obrigação é obedecer, com disciplina militar, à liderança partidária.


Eram vários os grupos revolucionários que atuavam na Rússia no início do século 20. Lênin tentou promover a união dos marxistas russos, mas suas posições duras e radicais acabaram por dividir o Partido Social Democrata Russo em duas facções, o grupo menchevique, de caráter mais moderado, e o grupo bolchevique, leninista e radical.


A chamada revolução russa, de 1917, aconteceu em meio à Primeira Guerra Mundial, da qual a Rússia participava e de maneira desastrosa. Esse foi o grande estopim do descontentamento popular contra o governo czarista, que viu seus próprios soldados se voltarem contra si. Foram os jovens soldados, mais do que os camponeses e operários, que promoveram a revolução democrática de março de 1917, que acabou levando ao poder o líder menchevique Alexander Kerensky, que, sob o título de Ministro-presidente, proclamou a República na Rússia.


O governo provisório de Kerensky, no entanto, não retirou o país da guerra, de modo que ele permaneceu num estado anárquico, marcado pela disputa de poder entre os sovietes (conselhos populares), pelas greves, pelas manifestações de protesto e pelos motins dos soldados. Nessa atmosfera, Lênin e seus partidários, Stálin e Trotsky, reivindicavam "todo o poder aos sovietes "e comandaram uma insurreição que depôs Kerensky e elegeu o primeiro governo soviético, constituído exclusivamente por bolcheviques.


Era o início da ditadura de um partido único, que esmagaria com violência qualquer oposição. Para isso, Lênin criou a Tcheka - uma polícia política secreta, cujos espiões não só tinham plenos poderes como deles usavam e abusavam.


O novo regime promoveu o armistício com a Alemanha, em março de 1918, mas a Rússia já se encontrava em estado de guerra civil, com os "brancos" (contra-revolucionários) enfrentando os "vermelhos". Para enfrentar a situação, Lênin instituiu o chamado "comunismo de guerra" (1918-1921), mas a situação só começou a se amenizar quando ele organizou a NEP (Nova Política Econômica), que marcou um retorno parcial à economia capitalista.


Em maio de 1922, Lênin foi acometido por uma crise de hemiplegia e teve de se afastar do poder, pelo qual competiam seus companheiros mais próximos, Stálin e Trotsky, adversários ideológicos e pessoais. Lênin morreu dois anos depois.


Atribuídos exclusivamente a seu sucessor, Stálin, pelos intelectuais ocidentais durante décadas, o caráter ditatorial e os crimes políticos do governo de Lênin só foram revelados (e ainda parcialmente) com o fim do
regime soviético em 1991.


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http://www.youtube.com/watch?v=jG8QDlA1X6M&feature=related

LEON TROTSKY

07/11/1879, Yanovka, Ucrânia
21/08/1940, Cidade do México, México

Nascido em família de origem judaica, Lev Davidovich Bronstein, que mais tarde assumiria o nome de guerra de Leon Trotsky, foi preso pela primeira vez aos 18 anos, por seu envolvimento com grupos revolucionários. Passou dois anos em diversas cadeias czaristas.


Em 1900 casou-se com Alexandra Lvovna Sokolovska e foi deportado para a Sibéria. Dois anos depois fugiu e viajou para Londres, onde entrou em contato com Lênin e outros exilados russos. No mesmo ano conheceu Natalya Sedova, que se tornou sua companheira.


Trotsky voltou à Russia por ocasião de levante de operários de São Petersburgo, em 1905. No ano seguinte, foi preso novamente e deportado. Passou por diversos países, chegando finalmente aos Estados Unidos. Ali recebeu a noticia da revolução de fevereiro, que depôs o Czar e instalou um governo provisório na Rússia. Trotsky voltou a seu país, mas antes ficou detido por algum tempo no Canadá.

Quando chegou a Rússia, assumiu um papel ativo na organização de trabalhadores e soldados. No final de 1917, os bolcheviques, liderados por Lênin e Trotsky, deram um golpe de Estado e derrubaram o governo provisório, dando início ao que chamavam de "ditadura do proletariado" e criando uma República Soviética da Rússia.


De 1918 a 1921 Trotsky exerceu o cargo de Comissário do Povo para a Guerra, numa Rússia em guerra civil. Ao contrário do que gostam de admitir seus admiradores, foi um militar linha dura, que não hesitava em usar a violência contra inimigos ou supostos adversários. Esmagou com mão de ferro uma revolta de anarquistas na cidade de Kronstadt em 1921.


Em 1923 aprofundou-se a cisão entre ele e seu companheiro de partido Stalin, provocada pela ascendência deste na crescente burocracia partidária e por divergências políticas relacionadas aos rumos da revolução. Trotsky propugnava a expansão da revolução por outros países, enquanto Stálin formulava a doutrina do socialismo em um país único.


Com a morte de Lênin, em 21 de janeiro de 1924, começou a corrida pela sucessão. No Comitê Central do Partido Bolchevique, iniciou-se o processo de calúnia e difamação de Trotsky promovido por Stalin e seus principais aliados de ocasião, Kamenev e Zinoviev. Em 1925 Trotsky foi proibido de falar em público e em 1929 foi banido da União Soviética.


Ficou no exílio na Turquia até 1933, na França até 1935 e depois na Noruega até 1937. Finalmente, foi para o México, no dia 9 de janeiro de 1937. Nunca deixou de lado o ativismo político, propondo políticas revolucionárias que se opunham às desenvolvidas pelos partidos comunistas que gravitavam em torno da União Soviética em todo o mundo. Em 1938, escreveu o panfleto "Programa de Transição", que é o programa de fundação da 4a Internacional Comunista.


Stalin, porém, considerava a militância de Trotsky uma ameaça real a sua hegemonia sob o movimento comunista internacional. Assim, infiltrou um agente seu na residência mexicana de Trotsky, Ramón Mercader, que o matou a golpes de picareta em 1940. Mercader jamais assumiu ter agido a mando de Stalin.


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http://www.youtube.com/watch?v=nAh5mfkuAXk

JOSEF STALIN

21/12/1879, Gori, Geórgia
5/3/1953, Kunzewo, Rússia

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Ossip (em georgiano) ou Iosif (em russo) Vissarionovich Djugatchvili, dito Stalin, filho de um sapateiro e de uma lavadeira, perdeu o pai cedo e, tendo também perdido os outros irmãos, foi criado pela mãe.

Após os primeiros estudos na escola religiosa russo-ortodoxa de sua cidade natal, foi enviado para o seminário na capital georgiana, Tbilisi (ou Tiflis). Revoltado com a disciplina do estabelecimento e influenciado pela leitura de romancistas realistas russos e de Darwin, acabou expulso do seminário, no último ano de estudos, 1899.

Entrou quase que imediatamente para a luta revolucionária. Militante do movimento social-democrático, membro do comitê clandestino de Tbilisi, em 1902 é preso e deportado para a Sibéria, de onde foge em 1904.

Em 1905 organiza uma greve geral em Baku; encontra Lênin no congresso partidário realizado na Finlândia. Preso novamente em 1908, é banido para Vologda, de onde foge no ano seguinte, dirigindo-se em junho para São Petersburgo. Eleito para o comitê central do Partido Comunista Bolchevique, é preso mais uma vez em 1910. Foge em meados do ano seguinte.

Em 1912, colabora na fundação do jornal partidário Pravda (Verdade). Novamente preso em 1913, é exilado para o círculo polar ártico, de onde seria libertado, em março de 1917, pelo governo Kerenski. Dedica-se, então, inteiramente ao trabalho no Pravda.
Revolução Russa
Em 1913 adota o nome por que ficaria conhecido: Stalin (homem de aço). Desempenha, na Revolução de Outubro de 1917, um papel principalmente de organizador. É nomeado comissário das Nacionalidades no Conselho dos Comissários do Povo.

Durante a guerra civil, participa ativamente da luta, sendo inicialmente enviado a Tsaritsin, cidade às margens do Volga que - de 1925 a 1961 - seria chamada de Stalingrado. O primeiro desentendimento sério entre Stalin e Trotski ocorre na luta em Tsaritsin, por questões de estratégia militar.

A 3 de fevereiro de 1922, Stalin é eleito secretário-geral do Partido Comunista da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Em 1923, no congresso do partido, Stalin ataca abertamente a tese de Trotski sobre a "revolução permanente". Com a morte de Lênin, a 21 de janeiro de 1924, Stalin une-se a Kamenev e Zinoviev, sendo eleito sucessor de Lenin.

A luta aberta entre Stalin e Trotski é vencida pelo primeiro. Stalin também afasta da direção seus próprios aliados, Kamenev e Zinoviev, que discordam da tese do "socialismo em um só país", defendida por Stalin. Este perseguirá até a morte seus três oponentes.
Coletivização forçada da agricultura
Senhor da chefia do governo, Stalin dá início às reformas com que visa, primordialmente, ao fortalecimento da URSS. Lança o primeiro plano quinquenal em 1928, com o objetivo de priorizar a industrialização e "edificar o socialismo", passando para o Estado o controle de toda a atividade econômica.

Em 1929-1930 dedica-se à coletivização da agricultura, liquidando camponeses - pequenos, médios ou grandes proprietários de terras. São todos executados ou deportados em massa com suas famílias.
Expurgos
No segundo plano quinquenal, procura dar maior ênfase ao desenvolvimento da indústria leve. Em 1936, ordena o início dos famosos processos de Moscou, que resultam em amplo expurgo nos quadros partidários, criando um clima generalizado de terror em todo o país. Milhares são presos, torturados e mortos. Nem mesmo as forças armadas ficam imunes, e vários de seus principais dirigentes são fuzilados.
Segunda Guerra Mundial
A 23 de agosto de 1939 firma um pacto de não agressão com a Alemanha hitlerista. No mês seguinte, anexa à URSS a parte leste da Polônia. Em março e setembro de 1940, respectivamente, ocupa partes da Finlândia e da Romênia.

Em 22 de junho de 1941, a Alemanha declara guerra à URSS. Stalin assume o comando supremo das forças armadas soviéticas, com o posto de marechal, em março de 1943.

Stalin passa a insistir com as nações ocidentais, já em guerra com a Alemanha, para que abram nova frente de luta, a fim de aliviar o campo soviético. Dissolve, em 1943, o Komintern, organização encarregada de fazer a ligação com os comunistas do mundo inteiro.

Participa de conferências com os dois dirigentes supremos dos EUA e do Reino Unido - Roosevelt e Churchill - em Teerã (1943), Ialta (1945) e Potsdam (1945 - com Harry Truman, que assumira a presidência dos EUA depois da morte de Roosevelt), estabelecendo as bases para o desenvolvimento e o desfecho da Segunda Guerra Mundial.

Terminada a guerra, já no começo de 1946 acentua-se a divisão entre os aliados da véspera, e Stalin passa a atacar os EUA como "imperialistas". É o início da Guerra Fria. Em 1947, ressuscita o Komintern, sob o nome de Kominform.

O bloqueio de Berlim - de 31 de março de 1948 a 12 de maio de 1949 - leva a divisão entre os dois campos a um ponto crítico. As divergências entre as principais nações capitalistas e o grupo socialista liderado pela URSS persistem até muito depois da morte de Stalin.
Stalinismo
Em 1953, no 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, o sucessor de Stalin, Kruschev, denuncia o "culto da personalidade" stalinista e os crimes e atrocidades atribuídos a Stalin.

Político duro e sem escrúpulos, Stalin usou seu poder para destruir todos os que surgiram em seu caminho. Temido e admirado, é, muitas vezes, retratado como um homem de inteligência medíocre, que conseguiu seu poder graças, exclusivamente, à esperteza impiedosa. Essa avaliação, contudo, é uma subestimação, pois a ideologia concebida por Stalin - que passou à história com o nome de stalinismo - teve grande importância na consolidação do regime soviético e de suas terríveis injustiças.
Enciclopédia Mirador Internacional; Dicionário do Pensamento Marxista (Jorge Zahar Editor)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

REVOLUÇÃO RUSSA

REVOLUÇÃO RUSSA ... A RÚSSIA ANTES DE 1917




Em 1894, subiu ao trono russo o czar Nicolau II. Desde o século XVI, o país era uma monarquia absolutista. A nobreza era proprietária de 25% das terras cultiváveis do país, e a grande maioria da população - mais de 80% - estava ligada direta ou indiretamente à terra.

As condições de vida da maior parte dos camponeses eram péssimas. Em geral, eles habitavam moradia precária e sem ventilação. Alimentavam-se basicamente de pão preto, batata e torta de farinha de milho. Nas aldeias raramente havia escolas, e a maior parte da população era analfabeta.

No plantio e na colheita eram usados instrumentos agrícolas antigos, como o arado de madeira e a foice. Apenas em algumas grandes propriedades adotava-se uma tecnologia moderna, que permitia o aumento da população.

Nas cidades, a vida não era muito diferente da do campo. Em 1838, uma investigação feita pelo Conselho Municipal de Moscou, abrangendo milhares de casas dessa cidade, mostrou que grande parte da população vivia em péssimas habitações:

"... As escadas que conduzem aos sótãos, onde o povo reside, estão cobertas de toda espécie de imundície. As próprias habitações estão quase cheias de tábuas sujas sobre as quais se estendem colchões de palhas pestilentos, tendo os cantos tomados pela porcaria. O cheiro é desagradável e asfixiante".

Com uma economia essencialmente agrária, a Rússia tinha poucas indústrias; a maior parte dela pertencia a proprietários estrangeiros, principalmente franceses, ingleses, alemães e belgas. No começo do século XX, um russo descrevia assim as condições de vida dos operários:

"Não nos é possível ser instruídos porque não há escolas, e desde a infância devemos trabalhar além de nossas forças por um salário ínfimo. Quando desde os 9 anos somos obrigados a ir para a fábrica, o que nos espera? Nós nos vendemos ao capitalista por um pedaço de pão preto; guardas nos agridem a socos e cacetadas para nos habituar à dureza do trabalho; nós nos alimentamos mal, nos sufocamos com a poeira e o ar viciado, até dormimos no chão, atormentados pelos vermes..."

UM CLIMA EXPLOSIVO

Os problemas internos da Rússia se agravaram ainda mais após a guerra Russo-Japonesa (1904-1905). A origem do conflito foi a disputa entre os dois países por territórios na China e por áreas de influência no continente. A derrota ante os japoneses mergulhou a Rússia numa grave crise econômica e aumentou o descontentamento de diferentes grupos sociais com o czar Nicolau II. Começaram a ocorrer greves e movimentos reivindicatórios, duramente reprimidos pela polícia czarista.

Num domingo de janeiro de 1905, trabalhadores de São Petersburgo, então capital do Império Russo, organizaram uma manifestação para entregar a Nicolau II um documento em que reivindicavam melhores condições de vida e melhores salários. Uma multidão de cerca de 200 mil pessoas, entre elas crianças e mulheres, dirigiu-se ao Palácio de Inverno, residência do czar. As tropas do governo, que estavam de prontidão, receberam os manifestantes com tiros de fuzil.

O incidente, que ficou conhecido como Domingo sangrento, provocou conflitos em toda a Rússia.

Tentando diminuir as tensões sociais, o czar criou a Duma, espécie de Parlamento. Contudo, os deputados eleitos das quatro primeiras dumas foram de tal maneira pressionados pelo czar que pouco puderam fazer.

Esse ambiente contribuiu para a difusão e a aceitação das idéias socialistas - sobretudo as elaboradas pelos alemães Karl Marx e Friedrich Engels - entre os movimentos sociais russos. Assim, essas idéias se tornariam a base da Revolução Russa.

Em 1905, surgiram os sovietes de trabalhadores, conselhos que se encarregavam de coordenar o movimento operário nas fábricas. Os sovietes teriam papel decisivo na revolução de 1917.

O INÍCIO DA REVOLUÇÃO

Em agosto de 1914 a Rússia entrou na Primeira Guerra Mundial contra a Alemanha e a Áustria-Hungria. Nicolau II acreditava que por meio da guerra pudesse expandir o Império Russo e diminuir a insatisfação popular.

No entanto, o fato acentuou o descontentamento e precipitou o processo revolucionário. A guerra agravou a situação econômica e social do país. Os soldados, mal-armados e mal alimentados, foram dizimados em derrotas sucessivas. Em dois anos e meio de guerra, a Rússia perdeu 4 milhões de pessoas.

Em 1915, o czar Nicolau II decidiu assumir pessoalmente o comando do Exército, deixando o governo nas mãos de sua esposa, a Imperatriz Alexandra, e de Rasputin, um monge que agia como conselheiro do czar.

Em 1917, a escassez de alimentos era muito grande e provocou uma série de greves. Em 27 de fevereiro desse mesmo ano, uma multidão percorreu a capital do Império pedindo pão e o fim da guerra. Os manifestantes também criticavam o sistema monárquico.

A polícia e o exército, agora ao lado dos manifestantes, não reprimiram o movimento. Isolado, o czar abdicou, e um governo provisório foi constituído, chefiado pelo príncipe George Lvov. Esse governo, dominado pela burguesia russa, decidiu continuar na guerra, com planos de uma grande ofensiva contra a Áustria-Hungria.

A população russa, porém, discordava dessa orientação. O governo, sem controle de seus exércitos, não tinha forças para impedir as deserções dos soldados. Havia ainda a constante elevação dos preços dos gêneros alimentícios, contra a qual o governo nada conseguia fazer.

Nesse momento, grupos revolucionários já desenvolviam intensa atividade nas cidades, reativando os sovietes de trabalhadores, com o objetivo explícito de tomar o poder.

A ofensiva do novo governou contra a Áustria-Hungria fracassou. Isso agravou ainda mais a situação e provocou uma grande manifestação no dia 17 de julho de 1917, na capital do Império. Era o fim do governo provisório de Lvov, substituído por Alexander Kerenski.

Naquele momento, três grupos e três diferentes propostas políticas se defrontavam pelo poder:

* O Partido Democrático Constitucional, partido da burguesia e da nobreza liberal, favorável à continuação da guerra e ao adiamento de quaisquer modificações sociais e econômicas.

* Os bolcheviques - maioria, em russo -, que defendiam o confisco das grandes propriedades, o controle das indústrias pelos operários e a saída da Rússia da guerra. Graças ao controle cada vez maior que exerciam sobre os sovietes de operários e soldados, sua força crescia continuamente. Seus dois principais líderes eram Vladimir Lenin e Leon Trotski.

* Os mencheviques - minoria, em russo -, que, embora contrários à guerra, não admitiam a derrota da Rússia. Divididos internamente e indecisos quanto aos rumos que o país deveria tomar, foram perdendo importância política.

A TOMADA DO PODER

A partir de agosto de 1917, os bolcheviques passaram a dominar os principais sovietes e a preparar a revolução.

No soviete Petrogrado, novo nome de São Petersburgo, foi constituído o Comitê Militar para a Realização da Revolução.

Sob o comando de Trotski, no dia 25 de outubro, os bolcheviques ocuparam os pontos estratégicos de Petrogrado e o Palácio do Governo. Kerenski, abandonado por suas tropas, foi obrigado a fugir.

Na manhã do dia seguinte, os sovietes da Rússia, reunidos em Congresso, confirmavam o triunfo da revolução, confiando o poder a um Conselho de Comissários do Povo. O Conselho era presidido por Lenin.

As primeiras medidas do governo revolucionário foram:

* retirada da Rússia da guerra;

* supressão das grandes propriedades rurais, confiadas agora à direção de comitês agrários;

* controle das fábricas pelos trabalhadores;

* criação do Exército Vermelho, com a finalidade de defender o socialismo contra inimigos internos e externos.

Logo depois, os bolcheviques adotaram o sistema de partido único: Partido Comunista.



A DEFESA DA REVOLUÇÃO: TROTSKI E O EXÉRCITO VERMELHO

Após a tomada do poder pelos revolucionários, a Rússia viveu ainda três anos de guerra civil. Nesse processo, a participação de Leon Trotski, um dos mais importantes líderes da revolução, foi fundamental.

Culto e com grandes capacidades de persuasão, Trotski comunicava-se bem tanto com operários e camponeses quanto com uma platéia de intelectuais e diplomatas.

Quando irrompeu a guerra civil, a organização das tropas de defesa, o Exército Vermelho, ficou sob sua responsabilidade. Em condições extramamente precárias, com o país esgotado, recém-saído da Primeira Guerra Mundial, Trotski conseguiu formar um exército forte e eficiente.

Com o apoio popular, as tropas revolucionárias enfrentaram o Exército Branco, composto por antigos oficiais do czar e prisioneiros do exército austríaco. Além disso, enfrentaram tropas de países europeus, que temiam que a revolução socialista se espalhasse pelo continente.

A CONSOLIDAÇÃO DA REVOLUÇÃO RUSSA

Sob a direção de Lenin e com um plano que ficou conhecido como Nova Política Econômica (NEP), os bolcheviques deram início à recuperação da economia russa. Elaborada em 1921, a NEP procurou concentrar os investimentos nos setores mais importantes da economia. Entre as medidas adotadas encontravam-se:

* produção de energias e extração de matérias-primas;

* importação de técnica e de máquinas estrangeiras;

* organização do comércio e da agricultura em cooperativas;

* permissão para a volta da iniciativa privada em diversos setores da economia, como o comércio, a produção agrícola e algumas formas de atividade industrial. Todos os investimentos tinham o rígido controle do Estado, muitos deles eram feitos em empresas estatais.

Vários Estados que tinha separado da Rússia durante a revolução - como a Ucrânia - voltaram a se integrar e formaram, em 1922, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), um Estado federativo composto por quinze repúblicas.

Com a morte de Lenin, em 1924, Stalin (secretário-geral do Partido Comunista) e Trotski passaram a disputar o poder. Stalin defendia a idéia de que a União Soviética deveria construir o socialismo em seu país e só depois tentar levá-lo a outros países; Trotski achava que a Revolução Socialista deveria ocorrer em todo o mundo, pois enquanto houvesse países capitalistas, o socialismo não teria condições de sobreviver isolado.

Stalin venceu a disputa. Trotski foi expulso da URSS. A União Soviética ingressou, então, na fase do planejamento econômico. Foi a época dos planos qüinqüenais, inaugurada em 1928. Os planos se sucederam a transformaram a União Soviética numa potência industrial. Contudo, a violência foi amplamente empregada pelo governo para impor sua política.

A HISTORIA DOS DIREITOS HUMANOS

 A história dos direitos humanos


Os direitos humanos são o resultado de uma longa história, foram debatidos ao longo dos séculos por filósofos e juristas. O início desta alinhada , remete-nos para a área da religião, quando o Cristianismo, durante a Idade Média, é a afirmação da defesa da igualdade de todos os homens numa mesma dignidade, foi também durante esta época que os matematicos cristãos recolheram e desenvolveram a teoria do direito natural, em que o indivíduo esta no centro de uma ordem social e jurídica justa, mas a lei divina tem prevalência sobre o direito laico tal como é definido pelo imperador, o rei ou o príncipe.

Com a idade moderna, os racionalistas dos séculos XVII e XVIII, reformulam as teorias do direito natural, deixando de estar submetido a uma ordem divina. Para os racionalistas todos os homens são por natureza livres e têm certos direitos inatos de que não podem ser despojados quando entram em sociedade. Foi esta corrente de pensamento que acabou por inspirar o actual sistema internacional de protecção dos direitos do homem.

A evolução destas correntes veio a dar frutos pela primeira vez em Inglaterra, e depois nos Estados Unidos. A Magna Carta (1215) deu garantias contra a arbitrariedade da Coroa, e influenciou diversos documentos, como por exemplo o Acto Habeas Corpus (1679), que foi a primeira tentativa para impedir as detenções ilegais. A Declaração Americana da Independência surgiu a 4 de Julho de 1776, onde constavam os direitos naturais do ser humano que o poder político deve respeitar, esta declaração teve como base a Declaração de Virgínia proclamada a 12 de Junho de 1776, onde estava expressa a noção de direitos individuais.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em França em 1789, e as reivindicações ao longo dos séculos XIV e XV em prol das liberdades, alargou o campo dos direitos humanos e definiu os direitos econômicos e sociais.

Mas o momento mais importante, na história dos Direitos do Homem, é durante 1945-1948. Em 1945, os Estados tomam consciência das tragédias e atrocidades vividas durante a 2ª Guerra Mundial, o que os levou a criar a Organização das Nações Unidas (ONU) em prol de estabelecer e manter a paz no mundo. Foi através da Carta das Nações Unidas, assinada a 20 de Junho de 1945, que os povos exprimiram a sua determinação « em preservar as gerações futuras do flagelo da guerra; proclamar a fé nos direitos fundamentais do Homem, na dignidade e valor da pessoa humana, na igualdade de direitos entre homens e mulheres, assim como das nações, grande e pequenas; em promover o progresso social e instaurar melhores condições de vida numa maior liberdade.». A criação das Nações Unidas simboliza a necessidade de um mundo de tolerância, de paz, de solidariedade entre as nações, que faça avançar o progresso social e econômico de todos os povos.

Os principais objetivos das Nações Unidas, passam por manter a paz, a segurança internacional, desenvolver relações amigáveis entre as nações, realizar a cooperação internacional resolvendo problemas internacionais do cariz econômico, social, intelectual e humanitário, desenvolver e encorajar o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais sem qualquer tipo de distinção.

Assim, a 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos é fundamental na nossa Sociedade, quase todos os documentos relativos aos direitos humanos tem como referência esta Declaração, e alguns Estados fazem referência direta nas suas constituições nacionais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, ganhou uma importância extraordinária contudo não obriga juridicamente que todos os Estados a respeitem e, devido a isso, a partir do momento em que foi promulgada, foi necessário a preparação de inúmeros documentos que especificassem os direitos presentes na declaração e assim força-se os Estados a cumpri-la. Foi nesse contexto que, no período entre 1945-1966 nasceram vários documentos.

Assim, a junção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os dois pactos efetuados em 1966, nomeadamente O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, sócias e Culturais, bem como os dois protocolos facultativos do Pacto dos Direitos Civis e Políticos ( que em 1989 aboliu a pena de morte), constituem A Carta Internacional dos Direitos do Homem.

Evolução histórica

Muitos filósofos e historiadores do Direito consideram que não se pode falar de direitos humanos até a modernidade no Ocidente. Até então, as normas da comunidade, concebidas na relação com a ordem cósmica, não deixavam espaço para o ser humano como sujeito singular, se concebendo o direito primariamente como a ordem objetivo da sociedade. A sociedade estamental tem seu centro em grupos como a família, a linhagem ou as corporações profissionais ou laborais, o que implica que não se concebem faculdades próprias do ser humano enquanto tal. Pelo contrário, se entende que toda faculdade atribuível ao indivíduo deriva de um duplo status: o do sujeito no seio da família e o desta na sociedade. Fora do status não há direitos.

A existência dos direitos subjetivos, tal e como se pensam na atualidade, será objeto de debate durante os séculos XVI, XVII e XVIII, o que é relevante porque habitualmente se diz que os direitos humanos são produto da afirmação progressiva da individualidade e que, de acordo com ele, a idéia de direitos do homem apareceu pela primeira vez durante a luta burguesa contra o sistema do Antigo Regime. Sendo esta a consideração mais estendida, outros autores consideram que os direitos humanos são uma constante na História e tem suas raízes no mundo clássico; também sua origem se encontra na afirmãção do cristianismo da dignidade moral do homem enquanto pessoa.

Antecedentes remotos

O Cilindro de Ciro hoje no British Museum, a primeira declaração dos direitos humanos.

Um dos documentos mais antigos que vinculou os direitos humanos é o Cilindro de Ciro, que contêm uma declaração do rei persa (antigo Irã) CiroII depois de sua conquista da Babilônia em 539 aC. Foi descoberto em 1879 e a ONU o traduziu em 1971 a todos seus idiomas oficiais. Pode ser resultado de uma tradição mesopotâmica centrada na figura do rei justo, cujo primeiro exemplo conhecido é o rei Urukagina, de Lagash, que reinou durante o século XXIV aC, e de onde cabe destacar também Hammurabi da Babilônia e seu famoso Código de Hammurabi, que data do século XVIII aC. O Cilindro de Ciro apresentava características inovadoras, especialmente em relação a religião. Nele era declarada a liberdade de religião e abolição da escravatura. Tem sido valorizado positivamente por seu sentido humanista e inclusive foi descrito como a primeira declaração de direitos humanos. Documentos muito posteriores, como a Carta Magna da Inglaterra, de 1215, e a Carta de Mandén, de 1222, se tem associado também aos direitos humanos. Na Roma antiga havia o conceito de direito na cidadania romana a todos romanos.

Confirmação do conceito

A conquista da América no século XVI pelos espanhóis resultou em um debate pelos direitos humanos na Espanha. Isto marcou a primeira vez que se discutiu o assunto na Europa. Durante a Revolução inglesa, a burguesia conseguiu satisfazer suas exigências de ter alguma classe de seguridade contra os abusos da coroa e limitou o poder dos reis sobre seus súditos, proclamando a Lei de Habeas corpus em 1679, em 1689 o Parlamento impôs a Guilhermo III da Inglaterra na Carta de Direitos (ou Declaração de direitos) uma série de princípios sobre os quais os monarcas não podiam legislar ou decidir.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789

No século XVII e XVIII, filósofos europeus, destacando-se John Locke, desenvolveram o conceito do direito natural. Os direitos naturais, para Locke, não dependiam da cidadania nem das leis de um Estado, nem estavam necessariamente limitadas a um grupo étnico, cultural ou religioso em particular. A teoria do contrato social, de acordo com seus três principais formuladores, o já citado Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, se baseia em que os direitos do indivíduo são naturais e que, no estado de natureza, todos os homens são titulares de todos os direitos.

A primeira declaração dos direitos humanos da época moderna é a Declaração dos Direitos da Virgínia de 12 de junho de 1776, escrita por George Mason e proclamada pela Convenção da Virgínia. Esta grande medida influenciou Thomas Jefferson na declaração dos direitos humanos que se existe na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América de 4 de julho de 1776, assim como também influênciou a Assembléia Nacional francesa em sua declaração, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 esta última definia o direito individual e coletivo das pessoas.

A noção de direitos humanos não experimentou grandes mudanças até o século seguinte com o início das lutas operárias, surgiram novos direitos que pretendiam dar solução a determinados problemas sociais através da intervenção do Estado. Neste processo são importantes a Revolução Russa e a Revolução Mexicana.

Desde o nascimento da Organização das Nações Unidas em 1945, o conceito de direitos humanos se tem universalizado, alcançando uma grande importância na cultura jurídica internacional. Em 10 de dezembro de 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em sua Resolução 217 A (III), como resposta aos horrores da Segunda Guerra Mundial e como intento de sentar as bases da nova ordem internacional que surgia atrás do armistício. Coincidência ou não, foi proclamada no mesmo ano da proclamação do estado de Israel.

Posteriormente foram aprovados numerosos tratados internacionais sobre a matéria, entre os quais se destacam os Pactos Internacionais de Direitos Humanos de 1966, e foram criados numerosos dispositivos para sua promoção e garantia.

domingo, 4 de abril de 2010

Crianças selvagens: as meninas lobo

Crianças selvagens: as meninas lobo




“Nas regiões da Índia, onde os casos de crianças-lobos foram relativamente numerosos, descobriram-se, em 1920, duas meninas - Amala e Kamala de Midnapore – que viviam numa família de lobos. A primeira, a mais nova, morreu um ano depois; a segunda, Kamala, que deveria ter uns oito anos, viveu até fins de 1929.

Segundo a descrição do Reverendo Singh que as recolheu, elas nada tinham de humano, e o seu comportamento era exactamente semelhante ao dos pequenos lobos, seus irmãos: incapazes de permanecerem de pé caminhavam a quatro patas, apoiadas nos cotovelos e nos joelhos para percorrem pequenos trajectos e apoiadas nas mãos e nos pés, quando o trajecto era longo e rápido; apenas se alimentavam de carne fresca ou putrefacta comiam e bebiam como os animais, acocoradas, com a cabeça lançada para a frente, sorvendo os líquidos com a língua. Passavam o dia escondidas e prostradas, à sombra; de noite, pelo contrário, eram activas e davam saltos, tentavam fugir e uivavam, realmente, como os lobos. Nunca choravam ou riam, característica que se encontra em todas as crianças-selvagens.

Reintegrada na sociedade dos homens onde viveu oito anos, Kamala humaniza-se lentamente, mas, note-se, sem nunca recuperar o atraso: passaram seis anos antes de conseguir caminhar na posição erecta. Na altura da morte apenas dispõe de umas cinquenta palavras. Contudo, se esses progressos são lentos, são também contínuos e realizam-se simultaneamente em todos os sectores da sua personalidade. Surgem atitudes afectivas: Kamala chora, pela primeira vez, quando morre a irmã, torna-se, pouco a pouco, capaz de sentir afeições pelas pessoas que cuidam dela, especialmente pela senhora Singh; sorri quando lhe falam. A sua inteligência desperta também; consegue comunicar com as outras pessoas, por meio de gestos, gradualmente reforçados com algumas palavras simples de um vocabulário rudimentar; consegue compreender e executar ordens simples, etc.

No entanto, a dar crédito a outro observador, o bispo Pakenham Walsh, que viu Kamala seis anos depois de ser encontrada, a criança não tomava qualquer iniciativa de contacto, nunca utilizava espontaneamente as palavras que aprendera e, especialmente, mergulhava numa atitude de total indiferença mal as pessoas deixavam de a solicitar.”

REYMOND-RIVER, O Desenvolvimento Social da Criança e do Adolescente, Ed. Aster.

sábado, 3 de abril de 2010

A CIDADANIA E SUAS FORMAS NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA


LABORATÓRIO DE ENSINO DE SOCIOLOGIA



A CIDADANIA E SUAS FORMAS NA HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

Segundo Tomazi (1997, p.111) encontramos nos dicionários o significado da palavra cidadania mais ou menos parecido com este: “Cidadania é a qualidade ou estado de cidadão, isto é, de um indivíduo no gozo dos seus direitos civis, políticos e sociais no interior de uma nação e no desempenho dos seus deveres para com o Estado”. Contudo, isso não explica muito como essa idéia se converteu em práticas nos diferentes contextos históricos dos diferentes países. Originalmente, cidadão era “aquele que vivia nas cidades”, porém, esse conceito foi sendo modificado e ganhando conotação política, associado aos modelos de Estado e de Democracia, criados a partir das Revoluções Burguesas (Revolução Inglesa, 1699/ Revolução Americana, 1779 / Revolução Francesa, 1789).

Nesse sentido, as formações dos Estados Nacionais na Europa, consolidados com o capitalismo, no século XIX, pontuaram diferentes fases para a compreensão do que seria cidadania e de quem seria considerado cidadão. Na Inglaterra, por exemplo, durante os anos de 1800 em diante, os industriais, a nova classe social dominante, ou seja, a burguesia e os banqueiros é que eram considerados cidadãos pelo Parlamento Inglês e pelo Monarca. Pela renda da pessoa se definia sua cidadania. Dessa forma, cidadão era o proprietário (de terras, fábricas, bancos). Nesta mesma época, aqui no Brasil, século XIX, a cidadania política era totalmente restrita aos proprietários de terra e de escravos. Basta lembrarmos do tal voto censitário, baseado na renda e na propriedade das pessoas, ou seja, votavam apenas os ricos e poderosos.

Como e por que esse conceito de cidadania baseado nos interesses da burguesia foi alterado?

A forma de compreender a cidadania foi alterada através das lutas sociais, lideradas pelas classes sociais que se sentiam excluídas dos direitos civis e dos direitos políticos, proclamados como sendo universais. Os trabalhadores das primeiras fábricas da Inglaterra começaram a se revoltar com sua situação econômica e com sua falta de poder de decisão. Os trabalhadores franceses também lideraram inúmeras revoltas, assim como ocorreu em vários outros países.

Segundo T. H. Marshall (1967), um cientista político inglês, a luta pela cidadania tem três momentos básicos, no contexto da Europa.

O primeiro momento ocorre no século XVIII, em que explodem as Revoluções Burguesas que derrubam as Monarquias Absolutistas, destruindo os restos do sistema feudal. Neste momento, a burguesia , como classe social em crescimento, consagra os direitos individuais, como a grande conquista da sociedade. Eram os direitos civis, de ir e vir, de propriedade privada, de liberdade de expressão, de religião, de competição, etc. Tais direitos, na verdade, diziam respeito única e exclusivamente à burguesia e nada mudavam a condição de exploração e dominação da nascente classe trabalhadora, que não tinham acesso, por exemplo, aos direitos políticos de votar e ser votado, restritos apenas aos burgueses, pois quem podia participar das Repúblicas Burguesas, eram apenas os que dispunham de um nível elevado de renda. Predomina, então, a cidadania civil.

Os trabalhadores lutaram muito e conquistaram os direitos políticos já no século XIX. Isso marca o segundo momento da cidadania, segundo Marshal. Os trabalhadores conquistam o direito de organizar-se em sindicatos, em partidos políticos e de participar do Parlamento, de votar e ser votado. Isso ocorreu de maneira diferente, em datas diversas em cada país, ou seja, os direitos políticos foram mais ou menos ampliados dependendo da realidade política de cada país. Esta conquista marca a fase da cidadania política, fundamental para os trabalhadores poderem se firmar como sujeitos de direitos.

Com a ampliação das organizações dos trabalhadores tanto em sindicatos como em partidos políticos, na Inglaterra, na Alemanha, na França, na Rússia, entre outros, começam a surgir projetos políticos divergentes entre os próprios operários. No exercício da política, alguns trabalhadores e alguns líderes políticos passam a criticar a participação política no parlamento, acusando que essa forma de inclusão dos trabalhadores era enganosa, não levava a uma libertação da exploração da burguesia. Surgem os Partidos Comunistas e Socialistas que pregam a Revolução no lugar da participação pontual no Estado burguês. Dos partidos comunistas, o único que chegou ao poder foi o da Rússia, que criou então a extinta URSS (União Soviética), em 1917.

Este fato encheu a burguesia européia de temor diante das organizações dos trabalhadores, motivando-a a ampliar o atendimento aos pedidos de ampliação dos direitos políticos e sociais dos trabalhadores. Nasce, então a política de conciliação entre capitalistas e trabalhadores intermediada pelo Estado. Inaugura-se, o terceiro momento da cidadania moderna, a partir dos anos de 1920, surge a cidadania social. Nessa fase, os trabalhadores europeus e americanos conseguem uma incrível ampliação dos direitos sociais, tais como: educação pública, saúde, habitação, transporte, lazer, direitos trabalhistas (descanso remunerado, férias, aposentadoria, etc), previdência social, entre outros. A burguesia preferiu entregar alguns anéis do que ter que entregar os dedos, as mãos, ou seja, seu poder total, como tinha acontecido com os ricos na Rússia. Para implantar os direitos sociais criou-se o Estado de Bem-Estar Social. Em países como Dinamarca, Suécia, Noruega, Suíça, França, Inglaterra, e outros, os direitos sociais ampliaram-se muito até 1975.

No Brasil, e nos países pobres, nunca alcançamos uma ampliação expressiva dos direitos sociais. No período de 1937, em diante ocorreu uma ampliação dos direitos trabalhistas, porém, uma retração nos direitos políticos, pois, vivemos a ditadura de Getúlio Vargas.

No nosso país, temos tido muita oscilação no processo de expansão das três formas de cidadania: cidadania civil, cidadania política e cidadania social. Vivemos períodos de surtos de desenvolvimento econômico, em que tivemos a ampliação da cidadania social, como nos anos 1950 e 1970, porém, nos anos de 1970, vivemos uma restrição fortíssima da cidadania política.






Continuando a história da cidadania, seguindo o raciocínio de Marshall, pode-se dizer que entramos numa quarta fase, a parti de 1975, quando os capitalistas começam a destruir as bases do Estado de Bem-Estar Social, atacando todos os direitos sociais conquistados e reduzindo a cidadania aos modelos do século XVIII, cidadania civil e do século XIX, cidadania política. Ou seja, inicia-se no mundo inteiro, uma ofensiva dos ricos para acabar com os direitos sociais, privatizando tudo novamente, a educação, a saúde, o lazer, retirando os direitos sociais dos trabalhadores, agora chamados de “privilégios”. Margaret Tatcher e Ronald Regan são os líderes dessas reformas, que restringiram em seus países, Inglaterra e EUA, os direitos sociais.

Suas receitas de reformas foram disseminadas pelo mundo inteiro, chegando até aqui no Brasil, com Fernando Collor de Mello (1990-1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). Assim, nós nem conseguimos atingir a cidadania social plena e já estamos saindo do seu rumo.

Nessa quarta fase, há um retrocesso, um atraso, no avanço dos direitos sociais dos trabalhadores e a cidadania é transformada em cidadania do consumidor, do cliente. Basta ver como a mídia brasileira comemora o Código em Defesa do Consumidor e estimula os pobres a serem cidadãos em dois sentidos apenas: quando consome e pode reclamar do produto; e, quando vota nas eleições. A cidadania civil e a cidadania política são reduzidas à cidadania do consumidor.

Temos muito que fazer para retomar o rumo da cidadania política e da cidadania social, essa última, sim, faz algum sentido político para a maioria da população. Cidadania é ter direito a brigar por mais direitos sociais, mesmo que eles tenham que passar por cima dos interesses do capital. O nosso limite está nas leis de acumulação do capital. Onde o lucro é a prioridade, a cidadania está sempre na corda bamba, às vezes até agonizante, como um doente no leito da morte.









REFERÊNCIAS:

MARSHALL, T. H. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967;

TOMAZI, Nelson D. Sociologia da Educação. São Paulo: Atual, 1997;

SADER, E; GENTILI, Pablo (orgs). Pós-neoliberalismo: As Políticas Sociais do Estado Democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.







FONTE: SILVA, Ileizi L. F. A Cidadania e suas Formas na História Contemporânea. Londrina: Laboratório de Ensino de Sociologia; Depto. Ciências Sociais da UEL, 2003, mimeo 3pp





Questões :



Explique de qual forma ( como? ) a cidadania foi sendo ampliada ao longo do tempo ?

Senso Comum e Conhecimento Científico TEXTO 1º ANO

Senso Comum e Conhecimento Científico


Vimos que o mito e a filosofia foram formas que o homem encontrou para enfocar, compreender e conhecer sua realidade. Isso ocorria à medida que ele procurava suprir suas necessidades, pois não há conhecimento que se realize fora da relação do homem com o mundo.

Sendo assim, qualquer tipo de conhecimento que o homem possui não é neutro ou desinteressado, mas construído sob uma perspectiva social, política e cultural e, portanto, histórica, ou seja, à medida que o homem se relaciona com os outros homens, ele adquire e constrói entendimentos sobre a realidade que o cerca. Neste processo de construção, o conhecimento que é produto de uma prática que se faz social e historicamente situada pode ser espontâneo ou de senso comum, cientifico e também filosófico.





Senso Comum : No seu dia-a-dia, o homem adquire espontaneamente um modo de entender e atuar sobre a realidade. Algumas pessoas, por exemplo, não passam por baixo de escadas, porque acreditam que dá azar; se quebrarem um espelho, sete anos de azar. Algumas confeiteiras sabem que o forno não pode ser aberto enquanto o bolo está assando, senão ele “embatuma”, sabem também que a determinados pratos, feitos em banho-maria, devem acrescentar uma gotas de vinagre ou de limão, para que a vasilha de alumínio não fique escura. Como aprenderam essas informações? Elas foram sendo passadas de geração a geração. Elas não só foram assimiladas, mas também transformadas, contribuindo assim para a compreensão da realidade.

Assim, se o conhecimento é produto de uma pratica que se faz social e historicamente, todas as explicações para a vida, para as regras de comportamento social, para o trabalho, para os fenômenos da natureza, etc. passam a fazer parte das explicações para tudo o que observamos e experimentamos. Todos estes elementos são assimilados ou transformados de forma espontânea. Por isso, raramente há questionamentos sobre outras possibilidades de explicações para a realidade. Acostumamo-nos a uma determinada compreensão de mundo e não mais questionamos: tornamo-nos “conformistas de algum conformismo”.

São inúmeros os exemplos presentes na vida social, construídos pelo “ouvi dizer”, que formam uma visão de mundo fragmentada e assistemática. Mesmo assim, é uma forma usada pelo homem para tentar resolver seus problemas da vida cotidiana. Isso tudo é denominado de senso comum ou conhecimento espontâneo.

Portanto, podemos dizer que o senso comum é o conhecimento acumulado pelos homens, de forma empírica, porque se baseia apenas na experiência cotidiana, sem se preocupar com o rigor que a experiência cientifica exige e sem questionar os problemas colocados justamente pelo cotidiano. Portanto, é também um saber ingênuo, uma vez que não possui uma postura crítica.

“Em geral, as pessoas percebem que existe uma diferença entre o conhecimento do homem do povo, às vezes até cheio de experiências, mas que não estudou, e o conhecimento daquele que estudou determinado assunto. E a diferença é que o conhecimento do homem do povo foi adquirido espontaneamente, sem muita preocupação com método, com critica ou com sistematização. Ao passo que o conhecimento daquele que estudou algo foi obtido com esforço, usando um método, uma critica mais pensada e uma organização mais elaborada dos conhecimentos”.

Lara, Tiago Adão. Caminhos da razão no ocidente: a filosofia ocidental, do renascimento aos nossos dias. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

Porém, é importante destacar que o senso comum é uma forma válida de conhecimento, pois o homem precisa dele para encaminhar, resolver ou superar suas necessidades do dia-a-dia. Os pais, por exemplo, educam seus filhos mesmo não sendo psicólogos ou pedagogos, e nem sempre os filhos dos psicólogos e pedagogos são mais bem educados.

O senso comum é ainda subjetivo ao permitir a expressão de sentimentos, opiniões e de valores pessoais quando observamos as coisas à nossa volta. Por exemplo:

a. se uma determinada pessoa não nos agrada, mesmo que ela tenha um grande valor profissional, torna-se difícil reconhecer este valor.

Neste caso, a antipatia por esta determinada pessoa nos impede de reconhecer a sua capacidade;

b. Os hindus consideram a vaca um animal sagrado, enquanto nós, ocidentais, concebemos este animal apenas como um fornecedor de carne, leite, etc. Por essa razão os consideramos ignorantes e ridículos,pois tendemos a julgar os povos que possuem uma cultura diferente da nossa a partir do nosso entendimento valorativo.

Levando-se em conta a reflexão feita até aqui, podemos considerar o senso comum como sendo uma visão de mundo precária e fragmentada. Mesmo possuindo o seu valor enquanto processo de construção do conhecimento, ele deve ser superado por um conhecimento que o incorpore, que se estenda a uma concepção critica e coerente, e que possibilite, até mesmo, o acesso a um saber mais elaborado, como a ciência e a filosofia.



Conhecimento científico



Na unidade anterior, estudamos que a preocupação dos pensadores da Antiguidade Grega era buscar, por meio do uso da razão, a superação do mito ou do saber comum. O avanço na produção do conhecimento conseguido por esses pensadores foi estabelecer vinculo entre ciência e filosofia, que perdurou até o inicio da Idade Moderna. A partir daí, as relações dos homens tornaram-se mais complexas, bem como toda a forma de produzir sua sobrevivência. Gradativamente, houve um avanço técnico e cientifico, como a utilização da pólvora, a invenção da imprensa, a Física de Newton, a Astronomia de Galileu, etc.

Foi no inicio do século XVII, quando o mundo europeu passava por profundas transformações, que o homem se tornou o centro da natureza (antropocentrismo). Acompanhando o movimento histórico, ele mudou toda a estrutura do pensamento e rompeu com as concepções de Aristóteles, ainda vigentes e defendidas pela igreja, segundo as quais tudo era hierarquizado e imóvel, desde as instituições até o planeta terra. O homem passou então, a ver a natureza como objeto de sua ação e de seu conhecimento, podendo nela interferir. Portanto, podia formular hipóteses e experimentá-las para verificar a sua veracidade, superando assim as explicações metafísicas e teológicas que até então predominavam. O mundo imóvel foi substituído por um universo aberto e infinito, ligado a uma unidade de leis. Era o nascimento da ciência enquanto um objeto específico de investigação, com um método próprio para controle de produção do conhecimento. Assim sendo, ciência e filosofia se separam.

Portanto, podemos afirmar que o conhecimento científico é uma conquista recente da humanidade, pois tem apenas trezentos anos. Ele transformou-se numa pratica constante, procurando afastar crenças supersticiosas e ignorâncias, por meio de métodos rigorosos, para produzir um conhecimento sistemático, preciso e objetivo que garanta prever acontecimentos e agir de forma mais segura.

Sendo assim o que diferencia o senso comum do conhecimento cientifico é o rigor. Enquanto o senso comum é acrítico, fragmentado, preso a preconceitos e a tradições conservadoras, a ciência preocupa-se com as pesquisas sistemáticas que produzam teorias que revelem a verdade sobre a realidade, uma vez que a ciência produz o conhecimento a partir da razão.

“Assim, são tarefas básicas para se construir ciência:

definir os termos com precisão, para não deixar margem à ambigüidade: cada conceito deve ter um conteúdo especifico e delimitado; não pode variar durante a analise(...);

descrever e explicar com transparência, não incorrendo em complicações, ou seja, em linguagem hermética, dura, ininteligível(...);

distinguir com rigor facetas diversas, não emaranhar termos, clarear suposições possíveis, fugir à mistura de planos da realidade, não cair em











confusão(...);procurar classificações nítidas, bem sistemáticas de tal sorte que o objeto apareça recortado sem perder muito de sua riqueza;

impor certa ordem no tratamento do tema, de tal modo que seja claro o começo ou o ponto de partida(...)”



Demo, Pedro. Introdução à metodologia da ciência. São Paulo: Atlas, 1995. p. 35.



Desta forma, o cientista, para realizar uma pesquisa e torná-la cientifica, deve seguir determinados passos. Em primeiro lugar, o pesquisador deve estar motivado a resolver uma determinada situação-problema que, normalmente, é seguida por algumas hipóteses. Usando sua criatividade, o pesquisador deve observar os fatos, coletar os dados e então testar suas hipóteses que poderão se transformar em leis e posteriormente em teorias que possam explicar e prever fenômenos.

Porem é fundamental registrar que a ciência não é somente acumulação de verdades prontas e acabadas. Nesse caso, estaríamos refletindo sobre cientificismo e não ciência, mas tê-la como um campo sempre aberto às novas concepções e contestações sem perder de vista os dados, o rigor e a coerência e aceitando, inclusive, no dizer de Karl Popper, que “o que prova que uma teoria é cientifica é o fato de ela ser falível e aceitar ser refutada”.

A ciência é, e continua a ser, uma aventura. A verdade da ciência não está unicamente na capitalização das verdades adquiridas, na verificação das teorias conhecidas, mas no caráter aberto da aventura que permite, melhor dizendo, que hoje exige a contestação das suas próprias estruturas de pensamento. Bronovski dizia que o conceito da ciência não é nem absoluto nem eterno. Talvez estejamos num momento critico em que o próprio conceito de ciência se esteja modificando.



Morin, Edgar. Ciência com Consciência. Rio de Janeio: Bertrhand Brasil, 1996. p.16



Atividades



1. Explique a diferença entre senso comum e conhecimento científico.

2. Qual a importância do senso comum e do conhecimento científico para a vida do homem?

3. Pergunte a pelo menos, dois profissionais que trabalham com produção cientifica qual o seu conceito de ciência. Explique o significado de cada conceito a partir das reflexões realizadas em sala de aula.
ESTABELECIDOS E OUTSIDERS NAS TORCIDAS ORGANIZADAS






O desconforto causado na sociedade pelas atitudes violentas das Torcidas Organizadas de futebol é um fato que vem ocorrendo com relativa freqüência nos estádios paranaenses, principalmente no final da década de 90 e início do século XXI. Objeto de interesse nas pesquisas das Ciências Sociais, os conflitos entre torcedores são analisados em diversas situações, sob vários aspectos e à luz de diferentes teorias, com o intuito de buscar a compreensão sobre este processo de construção da violência, que tantos prejuízos traz à comunidade. Este trabalho tem como objetivo analisar uma das configurações menos comuns de confronto entre facções de torcedores: A violência entre duas Torcidas Organizadas de uma mesma equipe de futebol. Para o desenvolvimento desta análise, optou-se pela investigação da briga entre as torcidas Os Fanáticos e Ultras, ambas do Clube Atlético Paranaense, ocorrida no dia 04 de outubro de 2000, momentos antes de uma partida contra o Guarani Esporte Clube, válida pela Copa João Havelange.

Observa-se que as Torcidas Organizadas lutam pelo controle do poder no local onde estão inseridas e que esta luta é normalmente desempenhada através da violência, verbal e física, contra seus oponentes, normalmente torcedores de equipes adversárias. Não obstante, pergunta-se: como ocorre o processo que leva à geração de conflitos entre duas facções, aparentemente semelhantes em suas características sociais gerais, inclusive sendo torcedoras de uma mesma equipe de futebol? Para compreender este processo, além de suas aparentes causas superficiais, procurou-se na leitura de Norbert Elias, mais precisamente em seu trabalho “Os Estabelecidos e os Outsiders”, embasamento teórico que auxiliasse na compreensão deste fenômeno. Acredita-se que este estudo de Elias encaixa-se peculiarmente nesta proposta de pesquisa e dará suporte teórico necessário à investigação.



ANÁLISE DA RELAÇÃO ENTRE AS TORCIDAS À LUZ DA TEORIA DE ELIAS

Na obra “Os Estabelecidos e os Outsiders”, Elias investiga dois grupos de moradores de uma cidade, que não possuem diferenças de nacionalidade, ascendência étnica ou cor da pele, nem tampouco de ocupação, renda ou nível educacional. O que difere os dois grupos é o tempo de residência no local, ou seja, um grupo encontra-se instalado na região há algumas gerações, enquanto que o outro é formado por recém-chegados; motivo suficiente para que o primeiro grupo não aceite o segundo. Esta configuração é também encontrada na relação entre as duas torcidas organizadas do Clube Atlético Paranaense.

A Torcida Organizada Os Fanáticos, fundada em 24 de outubro de 1977, adquire com o passar dos anos a característica de ser a única torcida organizada do Clube Atlético Paranaense. Em meados dos anos 90 a torcida organizada já é legalmente registrada com registro de estatuto, C.G.C, registro de marcas e patentes, entre outros, construindo inclusive uma sede própria e fundando a Associação Recreativa Torcida Organizada Os Fanáticos. Reconhecida pela presença em todos os jogos do Atlético, a torcida tornou-se notável e marcante pelo irrestrito apoio à equipe paranaense.

Em 1992, surge a Associação Independente Ultras do Atlético. Por ser uma torcida organizada com uma história recente e um efetivo muito menor de associados, em comparação à Os Fanáticos, a Ultras sempre foi caracterizada pela imprensa e torcedores, como a segunda torcida organizada do Atlético. Porém mesmo com esse rótulo, sua presença passa a caracterizar uma disputa pelo status de incentivadora fiel da equipe paranaense.

Apesar de torcerem por uma mesma equipe, a separação entre as duas torcidas sempre foi evidente. Tal fato é reconhecido quando observa-se a disposição das torcidas no estádio e suas condutas durante os jogos. As duas torcidas posicionavam-se em locais pré-estabelecidos, uma afastada da outra. Salienta-se ainda que o local onde Os Fanáticos instalam-se é claramente mais confortável e de melhor visibilidade com relação ao campo de jogo, do que o espaço onde a Ultras alocava-se. Acontecimento semelhante é percebido na obra de Elias, quando o autor comenta sobre a área de Winston Parva onde residiam os outsiders:



“Os antigos residentes diziam que essa área não fora desenvolvida por Charles Wilson por ser pantanosa e infestada de ratos; e, como veremos, os “aldeões” continuaram a se referir a ela como “beco dos ratos”. Um entrevistado, membro do conselho municipal, lembrou-se de que os moradores ilustres da “aldeia” haviam protestado junto ao conselho conta o aproveitamento dessa área vizinha a suas terras.”



Percebe-se que escolha de um bom espaço, tanto no Estádio Joaquim Américo , quanto em Winston Parva, dá-se pelo tempo de estabelecimento no local, que caracteriza a detenção do poder e a discriminação a quem não pertence ao grupo estabelecido. Neste contexto, torna-se natural a situação dos estabelecidos, de ocuparem os melhores lugares e não permitirem aos outsiders o mesmo direito.



O FATO NORTEADOR DA PESQUISA E SUA INTERPRETAÇÃO



Em 04 de outubro de 2000, momentos antes do jogo entre o Clube Atlético Paranaense e o Guarani Esporte Clube, válido pela Copa João Havelange, ocorreu o fato que norteia esta análise. Um jogo normal do campeonato, em que a equipe paranaense encontrava-se numa posição intermediária de classificação e que não demonstrava nenhum risco aparente de brigas entre torcedores. Porém, momentos antes do início da partida, ocorre uma discussão pelo espaço destinado às faixas das torcidas organizadas, como observa a nota do jornal local: “Cinco minutos antes de começar a partida, as duas facções de torcedores do Atlético, a ‘Ultras’ e ‘Os Fanáticos’, começaram a brigar por motivo fútil: o melhor posicionamento de faixas dentro do estádio”.

O desentendimento citado toma a dimensão de um confronto de gangues, levando, inclusive, ao ferimento de um torcedor de Os Fanáticos, por um golpe de faca, desferido por um torcedor da Ultras. A reportagem abaixo descreve o fato:



“Uma vergonha. Num tempo em que todo mundo fala em paz no futebol, a Torcida Organizada Os Fanáticos deu o pior exemplo possível, ontem, nas arquibancadas da Arena da Baixada. Uma pancadaria sem tamanho, na curva de fundos, antes mesmo de a bola rolar. Numa atitude pretensiosa e totalmente desprovida de educação, alguns integrantes da torcida avançaram sobre a outra facção do Rubro-Negro, a Ultras, que estava colocando uma sua no lugar, como se estivessem tomando posse de uma terra improdutiva. O ato ridículo, aos olhos dos presentes, foi rechaçado pelos demais torcedores que estavam na Baixada, que responderam com vaias. Achando-se os donos razão, os integrantes da organizada reagiram com gritos de guerra, que não merecem reprodução em qualquer mídia.”



Talvez analisar atos de violência entre torcidas de um mesmo clube seja complicado, considerando que se está acostumado a presenciar brigas entre torcidas de times rivais. Todavia esse peculiar caso deixa-nos traçar alguns paralelos com as escritas elisianas. Em “Os Estabelecidos e os Outsiders”, Norbert Elias, ao descrever o cotidiano de Winston Parva, relata:



“Não havia diferenças de nacionalidade, ascendência étnica, “cor” ou “raça” entre os residentes das duas áreas, e eles tampouco diferiam quanto ao seu tipo de ocupação, sua renda e ser nível educacional – em suma, quanto a sua classe social. As duas eram áreas de trabalhadores. A única diferença entre elas era a que já foi mencionada: um grupo compunha-se de antigos residentes, instalados na região havia duas ou três gerações, e o outro era formado por recém-chegados.”



As torcidas analisadas neste trabalho possuem entre si características semelhantes às existentes entre os grupos estudados por Elias. Os dois grupos são formados por jovens de mesmo nível sócio-econômico e intelectual, residentes basicamente em bairros de periferia. As diferenças entre os componentes dos grupos são desconsideráveis, porém entre os grupos, um parâmetro é diferenciador: o tempo de existência como torcida organizada do clube. Esta diferença torna Os Fanáticos o grupo estabelecido, que considera os sócios da Ultras como outsiders.

Em Winston Parva, como nas torcidas organizadas a exclusão e/ou a agressão se deve ao medo de que o grupo outsider venha a ter o domínio do poder, deixando os estabelecidos submetidos aos novatos. Essa relação conforme Elias, torna-se normal nestes grupos, ficando difícil achar-se os culpados:



“Podemos ficar tentados em por a culpa pelas tensões entre os residentes antigos e novos no outro lado. Na verdade, no estado atual de nossas técnicas sociais, essas tensões eram o concomitante normal de um processo durante o qual dois grupos antes independentes tornam-se interdependentes. Se considerarmos a configuração resultante da recém-criada interdependência, na condição de vizinhos e membros de uma mesma comunidade, de grupos que eram estranhos entre si, poderemos ver como teria sido difícil evitar as tensões. [...] Em regra, tais comunidades temem que os novatos não se adaptem às suas normas e crenças; esperam que eles se submetam às suas formas de controle social e demonstrem, de modo geral, a disposição de “se enquadrar”.



O grupo estabelecido enxerga o outsider como alguém que vem atrapalhar ou incomodar a ordem já estabelecida do local e que é incapaz de merecer os mesmos direitos e a consideração do primeiro. E este pensamento é reforçado pelo forte poder de coesão e controle exercido por um grupo estabelecido, que induz seus indivíduos a não abrirem espaço para a relação com pessoas que não façam parte deste grupo. Esta discriminação é resultado de uma cultura que é formada de uma forma arbitrária e que responde aos interesses de poder de quem está no comando dos grupos. Desta forma mantém-se garantido o domínio das ações em determinado espaço de convivência.

Não se trata de justapor um modelo, ou criar uma situação de causa e efeito entre as torcidas, mas, a partir de uma situação empírica, buscou-se compreender a dinâmica existente nas arquibancadas dos campos de futebol e que acabaram resultando em um processo de exclusão no qual a torcida mais antiga acaba se considerando estabelecida e com isto gozando de todos os direitos a ela atribuída (melhor local no estádio, maior, mais poderosa). E quando os mais novos não assumem o seu lugar de outsiders ( inferiores, excluídos), esta situação é resolvida através de uma forma rudimentar de se conseguir o poder, ou seja, pela força.

Quando este tipo de situação de falta de controle ocorre, as conseqüências são inimagináveis. No caso estudado, especificamente, ocorreu a extinção da torcida mais nova, o que permite afirmar, ou quem sabe confirmar, uma certa hegemonia do grupo que se considera estabelecido e que hoje permanece exclusivo nas arquibancadas.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



Elias, Norbert. Os Estabelecidos e os Outsiders. 1ªed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.



Gonçalves, Moises. Liberado o autor das facadas. Tribuna do Paraná, Curitiba, 07 out. 2000. Caderno de Esportes.



Gonçalves, Moises.__________________________. Tribuna do Paraná, Curitiba,