sexta-feira, 11 de junho de 2010

FAMILIA , ESCOLA E MIDIA : OQUE MUDOU NA SOCIALIZAÇÃO NOS DIAS DE HOJE - TEXTO PARA O 1º E 2º ANO- SOCIOLOGIA

Família, escola e mídia: um campo com novas configurações Maria da Graça Jacintho Setton - Universidade de São Paulo
Resumo : Este artigo tem como objetivo refletir sobre a particularidade do processo de socialização e de construção das identidades dos sujeitos no mundo contemporâneo. Para desenvolver este argumento o texto se apoia na idéia de que as instâncias tradicionais da educação  família e escola  partilham com as instituições midiáticas uma responsabilidade pedagógica. Identificando uma nova estruturação no campo da socialização, busca-se uma perspectiva relacional de análise entre essas instâncias a fim de apreender a especificidade do processo de construção da identidade do sujeito na atualidade. Partindo do conceito de configuração de Norbert Elias, toma-se como hipótese que a cultura da modernidade imprime uma nova prática socializadora distinta das demais verificadas historicamente. Considera-se que o processo de socialização das formações atuais é um espaço plural de múltiplas referências identitárias. Ou seja, a modernidade caracteriza-se por oferecer um ambiente social em que o indivíduo encontra condições de forjar um sistema de referências que mescla as influências familiar, escolar e midiáticas (entre outras), um sistema de esquemas coerente, no entanto híbrido e fragmentado. Nesse sentido, a particularidade dessa socialização deriva não só da relação de interdependência entre as duas instâncias tradicionais da educação, mas da relação de interdependência entre elas e a mídia.
Introdução : A contemporaneidade caracteriza-se por ser uma era em que a produção de bens culturais, a circularidade da informação, ocupa um papel de destaque na formação moral, psicológica e cognitiva do homem. Trata-se de uma nova ordem social regulada por um universo cultural amplo e diversificado, embora fragmentado. Convivemos em uma formação social cujo paradigma cultural mundializado constitui uma realidade inexorável.
No caso do Brasil, mais especificamente, desde os anos 1970, a sociedade vem convivendo com a realidade dos meios de comunicação de massa de maneira intensa e profunda. Pouco letrada e urbanizada, em algumas décadas, a população brasileira viu-se imersa em uma Terceira Cultura, como diria Edgar Morin  a cultura da comunicação de massa , que se alimenta e sobrevive à custa das culturas de caráter humanista  nacional, religiosa e escolar (Morin,1984).
É forçoso observar que os debates educativos, à medida que se aproximam da especificidade das transformações culturais do mundo moderno, se abrem para o caráter interdisciplinar das questões educacionais. A escola como instituição, seus currículos, professores e profissionais da educação em geral, não podem deixar de se preocupar com as peculiaridades da prática educativa contemporânea. Ou seja, a educação no mundo moderno não conta apenas com a participação da escola e da família. Outras instituições, como a mídia, despontam como parceiras de uma ação pedagógica. Para o bem ou para o mal, a cultura de massa está presente em nossas vidas, transmitindo valores e padrões de conduta, socializando muitas gerações. Em uma situação de modernidade, faz-se necessário problematizar as relações de interação, conflitivas ou harmoniosas, entre os espaços socializadores e agentes socializados.
Embora com diferentes propostas pedagógicas, é possível identificar um ponto em comum entre as instâncias distintas e heterogêneas de socialização. Tendem a "formar", buscam modelar a estrutura de pensamento dos indivíduos ao difundir uma concepção de mundo a partir de uma gama variada de formas simbólicas (Lahire,1998; Thompson,1995; Kellner, 2001).
O processo de socialização pode ser considerado então como um espaço plural de múltiplas relações sociais. Pode ser considerado como um campo estruturado pelas relações dinâmicas entre instituições e agentes sociais distintamente posicionados em função de sua visibilidade e recursos disponíveis. Portanto, o processo de socialização deve ser compreendido como um fenômeno histórico complexo e temporalmente determinado.
Embora não seja apropriado conceber um modelo único de família, de escola e/ou de mídia, é possível considerar que cada uma dessas instituições pauta-se por propósitos e princípios distintos. Ou seja, por possuírem naturezas específicas, são responsáveis pela produção e difusão de patrimônios culturais diferenciados entre si. É necessário, pois, identificar a configuração, o arranjo particular entre elas, em uma perspectiva antropológica, para se apreender experiências específicas de socialização.
Nesse sentido, este artigo visa centralizar a discussão sobre a particularidade do processo de socialização contemporâneo tendo em vista as relações de interdependência entre as instâncias educativas. Visa compreendê-las a partir de um método dinâmico e relacional a fim de evitar superestimar o poder de cada uma delas ou reificar a presença de um indivíduo passivo e pouco participativo nas interações socializadoras.
Sabemos o quanto é comum generalizações sobre os efeitos negativos das mensagens midiáticas (Kehl, 1995, 2000; Bucci, 2000, 2001;Postman, 1999). Tais leituras deixam de caracterizar a complexidade de apropriação dos conteúdos dos produtos da indústria cultural. Mais do que isso, grande parte das críticas, dando apenas ênfase à dimensão da produção midiática, esquece de considerar a variedade do universo familiar e escolar da contempora-neidade. Pouco problematizando as tensas relações entre as várias instâncias produtoras de bens e valores culturais, parte desta crítica acaba por reduzir os indivíduos a meros receptáculos de idéias ou simples consumidores de cultura. A perspectiva da homogeneidade cultural há muito deixou de ser produtiva para a discussão do fenômeno da cultura de massa (Ortiz, 1988; Barbero, 1997; Canclini, 1998). A segmentação do mercado, a diversidade de habitus e estilos de vida (Bourdieu, 1998, 1999), ou seja, a variedade de usos e apropriações das mensagens (Lahire, 1997, 1998) parece ser mais adequada para se pensar a realidade da socialização contemporânea.
A intenção é, portanto, chamar atenção para a complexidade da prática socializadora da atualidade, enfatizando a rede de tensão, a luta simbólica entre as várias instâncias educativas.
Uma proposta de análise : Posto isto, seria importante reiterar os objetivos desta reflexão. Ou seja, o interesse em analisar o processo de socialização considerando a emergência de uma nova configuração cultural, de acordo com a qual o processo de construção das identidades sociais passa a ser mediado pela coexistência de distintas instâncias produtoras de valores e referências culturais.
A proposta é considerar a família, a escola e a mídia no mundo contemporâneo, como instâncias socializadoras que coexistem numa relação de interdependência. Ou seja, são instâncias que configuram uma forma permanente e dinâmica de relação. Não são estruturas reificadas ou metafísicas que existem acima e por cima dos indivíduos (Elias, 1970).1 São instituições constituídas por sujeitos em intensa e contínua interdependência entre si e, portanto, não podem ser vistas como estruturas que pressionam umas às outras, mas instân-cias constituídas por agentes que se pressionam mutuamente no jogo simbólico da socialização.
Como é possível apreender que essas instâncias, devido à sua interdependência e ao modo como as suas ações educativas e experiências pedagógicas se interpenetram, formem um tipo de configuração? É necessário identificar o arranjo variado, a relação de forças e equilíbrio entre elas a partir da experiência de socialização de sujeitos particulares (Lahire, 1997).
O conceito de configuração aqui utilizado serve como um instrumento conceptual e didático que tem como intenção romper com a idéia de que as instituições socializadoras e seus agentes sejam antagônicos. Salientar a relação de interdependência das instâncias/agentes da socialização, condição para coexistirem enquanto configuração, é uma forma de afirmar que a relação estabelecida entre eles pode ser de aliados ou de adversários. Podem ser relações de continuidade ou de ruptura. Podem então determinar uma gama variada de experiências de socialização.
Pensar as relações entre a família, a escola e a mídia com base no modelo de configuração é analisar tais instituições sociais em uma relação dinâmica criada pelo conjunto de seus integrantes, seus recursos e trajetórias particulares. No entanto, não é uma relação dinâmica entre subjetividades, mas uma dinâmica criada pela relação que esses sujeitos constroem na totalidade de suas ações e experiências, objetivas e subjetivas, que mantêm uns com os outros.A metáfora do jogo, embora imperfeita, é bastante produtiva para exemplificar a dinâmica das configurações das agências e os agentes da socialização. Ou seja, ao usá-la é como se as pressões ou coações que as instâncias sofressem umas em relação às outras fossem pressões que têm origem na relação de interdependência, no jogo de ação e reação entre seus agentes (Elias, 1970).
É preciso salientar, pois, um certo equilíbrio de forças entre as instâncias socializa-doras no mundo contemporâneo, já que a interdepen-dência funcional entre elas é uma condição para o exercício e continuidade do processo de so-cialização dos sujeitos. Pensar as relações entre a família, a escola e a mídia (e seus agentes) com base no conceito de configuração é buscar compreender o equilíbrio de poder entre elas, é entender o poder (enquanto relação) como uma característica estrutural das relações entre grupos e instituições (Elias, 1970). Assim, seria pertinente perguntar quais os recursos de cada uma delas (e de seus agentes), quais os poderes constitutivos desses espaços de socialização responsáveis pelo equilíbrio de força nessa configuração? É nesse sentido que se propõe a identificar os arranjos particulares, as vivências específicas de sujeitos singulares.Para concluir, uma contextualização temporal e histórica é necessária para se apreender o jogo de forças entre os parceiros ou adversários, um em relação ao outro. Analisar a relação de coexistência das instâncias ou agentes socializadores a partir da idéia de equilíbrio conjuntural é conveniente pois nos leva a apreender as relações funcionais que eles mantêm entre si. Ou seja, permite apreender as relações singulares e particulares de diferentes configurações de força entre sujeitos e instituições, tal como as variações do desenho de um caleidoscópio.
Apreendendo as relações
A herança familiar : Grosso modo, no contexto do processo de socialização, pode-se considerar a família a partir de dois enfoques. O primeiro deles refere-se à abordagem psicológica. Ou seja, a família como espaço de relações identitárias e de identificação afetiva e moral (Berger; Luckman, 1983). É possível por meio dessa abordagem observar ainda as relações de autoridade, as hierarquias internas tendo em vista os modelos geracionais ou de gênero. É nesse espaço de convivência sangüínea e afetiva que se modela uma subjetividade, que se toma contato com as primeiras formas simbólicas de integração social (Singly, 2000a, 2000b; Dubar, 2000). Inicialmente tomados como absolutos, os valores familiares são os mais permanentes em todo o processo de socialização.
A família pode também ser considerada como responsável pela transmissão de um patrimônio econômico e cultural (Bourdieu, 1998, 1999). É nela que a identidade social do indivíduo é forjada. De origem privilegiada ou não, a família transmite para seus descendentes um nome, uma cultura, um estilo de vida moral, ético e religioso. Não obstante, mais do que os volumes de cada um desses recursos, cada família é responsável por uma maneira singular de vivenciar esse patrimônio (Lahire, 1997, 1998). Assim, é necessário observar as maneiras de usar a cultura e de relacionar-se com ela, ou seja, as oportunidades de um trabalho pedagógico de transmissão cultural, moral e ético de cada ambiente familiar.
Fenômeno universal, é possível afirmar que a família é uma instituição que evolui conforme as conjunturas socioculturais. Não é um agente social passivo. Sua história recente revela um poder de adaptação e uma constante resistência em face das mudanças em cada período. Tem uma profunda capacidade de interagir com as circunstâncias e conjunturas sociais contribuindo fartamente para definir novos conteúdos e sentidos culturais (Saraceno, 1988). Se nos séculos XIX e XX foi comum falar sobre a crise da família, na década de 1990 surgiu a concepção da família contemporânea forte e resistente. Novos modelos de convivência familiar apontam para uma nova configuração entre seus membros. A tendência atual é analisar as relações de convivência, os sentimentos, as representações sobre casais e filhos em situação de igualdade (Singly, 2000; Segalen, 1999a, 1999b; Figueira, 1992). Nesse contexto de transformação, a autoridade familiar como primeira forma de respeito a uma instância ligada à tradição vem sendo questionada. A reestruturação familiar  conseqüência da reorganização dos papéis  é responsável por um período de redefinição das posições de autoridade. O modelo familiar, já há algumas décadas, vive transformações graduais mas extremamente profundas, dado que a inserção da mulher no mercado de trabalho e o aumento dos níveis de separação de casais contribuem para a emersão de um novo padrão de convivência e referências identitárias. Estariam os jovens igualmente sujeitos às experiências paternas e maternas no contexto contemporâneo? Ou essas transformações fragilizariam as estruturas familiares abrindo brechas para novas experiências de socialização?
Considerando a família como um importante elemento na determinação dos destinos pessoais e sociais, nas trajetórias educacionais e profissionais dos sujeitos é preciso atentar para a heterogeneidade de configurações familiares, a diversidade de recursos e posicionamentos sociais, bem como a diversidade de comportamentos e relações que podem estabelecer com as outras instâncias socializadoras.
A socialização escolar : Com poucas discordâncias, desde as reflexões de Durkheim (1947) até hoje (Nóvoa, 1991), a escola sempre foi vista como responsável pela transmissão de um saber consagrado, útil para a manutenção de uma ordem baseada na divisão do trabalho social. No passado, a escola sempre apresentou a tendência de introduzir barreiras entre seus níveis e respectivos públicos (Goblot, 1984). Ambígua por natureza, a escola é responsável também pela expansão do acesso ao conhecimento ao mesmo tempo em que pode contribuir para o fortalecimento de um saber restrito a poucos (Bourdieu, 1998).
Atualmente, considerando uma realidade mais contemporânea, é possível identificar uma complexidade maior no interior do sistema escolar (Dubet, 1996). A escola para as massas não mais propaga uma coerência em seus projetos educativos. Se anteriormente a escola era regulada de maneira muito firme, com públicos e projetos educativos homogêneos, hoje a diversidade de expectativas e aspirações dos estudantes mesclam-se à heterogeneidade das propostas educativas de escolas e professores. A massificação escolar modificou a forma de distribuição das qualificações. Embora, oficialmente, todos tenham acesso a ela, as trajetórias estudantis, os usos do saber escolar variam de acordo com as experiências de vida  familiar, escolar e midiática  dos indivíduos (Lahire,1997, 1998). Ainda que ofereça os meios de se referir às regras, aos preceitos, ou seja, às prescrições legítimas do conhecimento, o sistema escolar contemporâneo caracteriza-se por uma contraditória hierarquia interna (Bourdieu, 1998).
Dessa forma, a escola não mais se apresenta como eixo organizador de experiências; reflete, em seu interior, uma complexidade de interesses intra e extra-escolares (Dubet,1996). Não responde mais ao projeto integrador de Durkheim (1995). Não consegue conciliar as suas antigas funções de educar (transmitir valores), selecionar (qualificando distintamente o público) e socializar (adaptá-los a uma realidade social). Não deixando de ser uma instituição do saber e da produção do conhecimento, a escola perde seu papel organizador, pois não detém mais o monopólio das referências identitárias (Dubet, 1996). Sujeita a uma variedade de público e pouco preparada para enfrentar os desafios que cada um deles lhe propõe, a escola se enfraquece enquanto agência da socialização, responde e serve de forma fragmentada às expectativas diferenciadas de seu público.
A socialização descontextualizada : As instâncias midiáticas de socialização são por definição multiformes. Fenômeno recente, a cultura de massa é responsável pela circularidade de uma gama variada de imagens, códigos e conteúdos que se organizam coerentemente na forma de um sistema integrado de símbolos interdependentes aos valores escolar e familiar (Morin, 1983). Todavia é possível pensar também o fenômeno da cultura de massa a partir de três dimensões  a produção, a recepção e a difusão (Thompson, 1995) , na medida em que essas dimensões contribuem para refletir sobre o processo de socialização no mundo contemporâneo.
Grosso modo, por produção entende-se todo o aparato técnico, o conteúdo das mensagens e os recursos humanos que estão envolvidos com a criação midiática. Ou seja, é a produção de símbolos, discursos e imagens das instituições e agentes de um determinado contexto cultural. Em síntese, é possível pensar a criação cultural específica da era da comunicação de massa a partir de um modelo sistêmico e coerente de administração que obedece à racionalidade da acumulação capitalista (Adorno; Horkheimer, 1996). Competitividade e lucro são as palavras de ordem da engrenagem. Contudo, se ainda hoje o grande paradigma sobre a dimensão produtiva da indústria cultural é a perspectiva frankfurtiana da homogeneização da cultura e do caráter ideológico de suas mensagens, aos poucos ela vem perdendo espaço para as teorias da recepção.
A partir dos anos 1960, vê-se a emergência dos estudos que relativizam o caráter manipulador da cultura de massa, introduzindo o debate sobre certas formas de resistência (Hoggart, 1976; Certau, 1994). Mais recentemente, vários estudiosos (Barbero, 1997; Canclini, 1998) salientam ainda a capacidade de os sujeitos apropriarem-se das mensagens, construírem sentidos particularizados ao consumirem as mercadorias simbólicas. Além disso, desenvolveu-se certo consenso de que as formas simbólicas midiáticas não são necessariamente ideológicas. Ao contrário, seria preciso observar as maneiras pelas quais os sentidos são mobilizados para reforçar e criar situações de dominação. Os estudos de recepção salientam ainda que a apropria-ção dos bens culturais midiáticos é um processo complexo que envolve uma atividade contínua de interpretação e assimilação do conteúdo significativo a partir das características de uma experiência socialmente estruturada de indivíduos e grupos particulares (Thompson, 1995; Kellner, 2001). Assim, é possível pensar que a noção de recepção não dimensiona o trabalho de apropria-ção e de construção efetuado pelos indivíduos, não explora a inevitável transformação de sentidos do processo de transmissão; não consegue conceber as freqüentes situações em que algo se transmite ou se constrói sem que alguma intenção pedagógica tenha sido visada (Lahire, 1997, 1998). Nesse contexto, a configuração de forças entre as instâncias família e escola, síntese de experiências passadas do indivíduo, torna-se fundamental para se refletir sobre os poderes midiáticos no processo de construção de suas identidades.
Por último, sabe-se que a cultura de massa ao circular informação e entretenimento transmite também valores e padrões de conduta diversificados. Considerar o caráter pedagógico da cultura de massa é salientar que a ampla circularidade dos bens culturais juntamente com a difusão das informações contribuem para o surgimento de novas formas de interação educativa (Giddens, 1994). É possível pensar os sujeitos sociais podendo orientar suas práticas e ações, podendo refletir sobre a realidade, construí-la e experimentá-la a partir de outros parâmetros que não sejam mais exclusivamente locais, presentes na escola e na família. Assim, as trajetórias individuais e coletivas não seriam mais definidas, traçadas e vividas apenas a partir de experiências próximas no tempo e no espaço. Ao contrário, os sujeitos teriam contatos, seriam atingidos por modelos e referências produzidos em contextos fisicamente distantes e dispersos. É possível, pois, identificar a orientação das práticas estimuladas por referências identitárias pulverizadas, mas apropriadas por todos, numa configuração única, sujeita aos condicionamentos sociais, às experiências vivenciadas no universo familiar e escolar, produto da interdependência entre as agências da socialização.
Considerações finais : A proposta de compreensão sobre a particularidade do processo de socialização do mundo contemporâneo empreendida neste artigo enfatiza a observação e a reconstrução da variada e heterogênea rede de interdependências entre a família, a escola e a mídia na atualidade.
A opção por uma perspectiva microes-trutural de análise busca resgatar uma abordagem dos processos de construção das referências identitárias via uma rede de relações e interações entre essas instâncias da socialização. Nesse sentido considerou-se evitar a absolutização das influências de cada uma delas a partir de um modelo relacional.
Se a família, a escola e a mídia podem ser consideradas como redes de interdependência estruturadas por relações sociais específicas, os produtos da socialização  ou seja, os sujeitos, suas práticas e escolhas  podem ser apreendidos como o resultado de uma maior ou menor ruptura e/ou continuidade entre tais instâncias.
É necessário, então, enquanto método, construir configurações particulares, combinações específicas entre uma multiplicidade de traços gerais entre os agentes socializadores.
Assim, a intenção foi apresentar os princípios básicos que explicitam a lógica relacional da noção de configuração, tendo como motivação compreender um novo campo de interações entre as instâncias da socialização. Em seguida, apontando os elementos que apresentam a realidade contemporânea dos espaços de socialização tradicionais, deu-se ênfase às recentes transformações ocorridas, podendo perceber que grande parte dessas transformações deriva das relações de interdependência entre essas instâncias  família e escola  e a emergência da cultura de massa.
A abordagem micro-sociológica, esta perspectiva do singular proposta, permite observar mais atentamente a variedade infinita de configurações das instâncias socializadoras responsáveis pela produção de disposições sociais identitárias. Este olhar tenta romper com as análises que interpretam as experiências individuais generalizando-as, tenta rediscutir as afirmações simplistas da falência das instituições tradicionais da socialização ou da força inexorável das instâncias midiáticas. O que se propôs foi salientar a grande variedade de configurações familiares que, por sua vez, se entrelaça com uma heterogeneidade quase infinita de projetos escolares, ambos imersos em uma ordem cultural plural e mundializada (Ortiz, 2000). Por fim, é necessário, pois, atentar para a composição de um novo campo da socialização em processo. É preciso focalizar melhor a variedade de configurações particulares, combinações de equilíbrio específicas entre uma multiplicidade de traços gerais entre os agentes socializadores responsáveis pela construção de sujeitos em formação.
Maria da Graça Jacintho Setton é doutora em Sociologia pela FFLCH-USP e fez pós-doutorado na École de Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, França. É professora do curso de Pedagogia, de Licenciatura e da pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo.

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